Denise Schmitt Garcia (*)
Depois de um ano de pandemia, percebi que escrever um livro sobre Felicidade(**) foi realmente uma alegria para mim. Difícil mesmo é falar agora sobre temas atuais como: homeschooling, distanciamento social, escolas fechadas, déficit de aprendizagem...
Todos tivemos as vidas roubadas, transformadas e remanejadas algumas vezes durante este mais de um ano de pausa, com o drama do Covid19.
Com as crianças não foi diferente! Elas continuaram crescendo, continuaram aprendendo e, agora mais do que nunca, continuam precisando de estímulos para manter uma infância saudável.
O desenvolvimento equilibrado de uma criança depende de muitos fatores. Entre outros, depende da escola (que foi ausente), depende das relações externas (que foram praticamente inexistentes) e de novas experiências vividas (que foram poucas). Por isso, neste momento, destaco o que ficou de mais sólido e importante na vida das crianças neste período: o círculo familiar.
No início, muitos pais se viram perdidos. Uns perceberam que estavam ausentes da vida dos filhos; alguns se sentiram acolhidos e privilegiados por permanecerem em casa; outros ficaram exaustos e sobrecarregados. O fato é que se passaram mais de 365 dias e muita coisa mudou no meio deste caminho pandêmico. Fomos obrigados a nos ajeitar do jeito que conseguimos e assim, ajeitamos também as nossas crianças em meio às nossas próprias incertezas e confusões. Um dia vai para a escola, no outro, fica em casa; numa semana tem aula, na outra, feriado de sete dias...
A família (mães, pais e filhos) precisou se adaptar ao novo “normal”, às novas relações e às novas regras de convivência. Os grupos de adolescentes se dissolveram e sofreram muito. As reuniões familiares foram para o Zoom, a escola tragicamente migrou para o computador, e as crianças... pequenas e grandes... sofreram muito com toda essa transformação.
Por mais que tivessem o pai e a mãe presentes em casa, elas sofreram! Tiveram rotinas alteradas, aprenderam a conviver com mais ou menos regras, algumas perceberam pais que se envolviam demais, e outras pais que se envolviam de menos em suas vidas. Tivemos pais tentando resolver os problemas dos filhos, enquanto outros não conseguiam resolver seus próprios problemas dentro de casa. O mundo infantil, assim como o adulto, também virou de cabeça para baixo em 2020!
Observo que a pandemia nos fez ostras, nos forçou uma convivência intensa, mas também nos fez enxergar e priorizar muitas particularidades dentro de nossas conchas. A relação familiar se fortaleceu. Os vínculos se estreitaram e a família, mais do que nunca, virou ponto de apoio e proteção contra tudo, todos e, principalmente, contra o Corona vírus. As conchas das ostras se fecharam e quem estava dentro precisou se reinventar junto de seus pares.
A individualidade ficou comprometida e a privacidade, prejudicada. De repente, o que era privado passou a ser também o que tínhamos de público (dentro de casa) e o que era público passou a ser necessariamente privado... e tudo ficou confuso. Opiniões divergentes foram ocupando o mesmo espaço e as banalidades ganhando mais importância a cada dia.
Mas... e as crianças?
A criança não é um adulto em formação! Ela é única, é um sujeito integral em pleno processo de desenvolvimento. Tem mistura de fantasia com realidade, tem sonhos... Sem escola, sem familiares, sem amigos e sem experiências de passeios, viagens... como fica a vida de nossos pequenos durante este período de isolamento?
O ambiente virtual nem de longe se compara à eficiência escolar em ambiente presencial. Do mesmo modo que os encontros virtuais com avós, as “web festinhas” e as chamadas no Zoom não substituem o contato físico.
Crianças pequenas sofrem muito com a falta de rotina, pois se organizam através delas. A escola é a rotina, as aulas extras fazem parte da rotina, as lições de casa são a rotina. Quanta falta a escola faz!! Quantas mudanças repentinas e quanto aprendizado prejudicado!
O estímulo vivido fora de casa passou a ser necessário dentro de casa. No início de 2020, muitas famílias foram em busca de professores particulares, aparelhos eletrônicos, ocupações variadas para seus filhos, apostilas de reforço, brincadeiras pedagógicas, dinâmicas com materiais do dia a dia... Após um ano, nos vemos novamente em busca de força, apoio e soluções para manter o estímulo e a alegria inerente à vida de nossos filhos. Em alguns momentos, confesso que me senti como Roberto Benigni no filme “A Vida é Bela”, tentando manter a positividade e o encanto do filho em todos os dias vividos sob pressão e opressão.
Hoje, estamos diferentes do que estávamos há um ano. Alguns resilientes, mais fortes e com mais esperança; outros com mais medo, exaustos e mais impacientes.
A criança em casa não precisa só de ocupação. Ela precisa de paz e de espaço para criar, experimentar e aprender. A criança precisa de oportunidade, de paciência e de tempo. Certamente, ela também está diferente do que era a um ano atrás. Amadureceu? Regrediu? Ficou triste? Está adaptada? O que fizemos de bom? O que deu errado?
Hora de refletir
Aproveite este momento para fazer um balanço dos ganhos e das perdas no ano de 2020. Considere repetir o que deu certo, relembrar uma brincadeira, refazer uma receita, reinventar uma nova responsabilidade para seu filho, rever fotos, retomar um aprendizado, refazer uma lista de viagens futuras...
Antes eu achava que a autonomia e a independência eram habilidades importantes para a sobrevivência do ser humano. Hoje aprendi que também devo incluir a resiliência nessa lista. Aprender a se reinventar a partir de uma condição desfavorável passou a ser vital para nós, simples mortais, após a experiência de um ano de pandemia. Ensinar as crianças a encontrar o lado bom das coisas, a manter o estímulo da aprendizagem e a alimentar a esperança da volta à vida em sociedade tem sido o meu conselho para as famílias que me procuram em busca de soluções para a convivência com os filhos dentro de casa.
Minha maior preocupação agora é preservar o encantamento da infância mesmo dentro da pandemia. Manter as crianças felizes, equilibradas e empolgadas com um futuro próximo. Sei que o dia a dia em casa foi e ainda está sendo difícil. Mas estamos diferentes, aprendemos bastante e sabemos que, dentro das possibilidades de cada um, tudo irá acontecer da melhor maneira possível, independente das oportunidades que estão sendo oferecidas para os pequenos. Tomamos posse de nossas conchas, nos apropriamos de nossos espaços, e hoje, somos capazes de fazer uma festa individual, ou junto de nossos pares, mesmo quando estamos reclusos. Espalhe estímulos positivos e mantenha a esperança de dias melhores para seus filhos.
Muitas famílias estão mais unidas, muitos vínculos foram consolidados e esses foram os presentes que ganhamos com toda essa experiência de dor e privação na pandemia. Portanto, fortaleça sua relação com seus filhos, estimule-os, brinque muito e deixe que eles inundem a sua vida adulta de cores, sonhos e alegrias. Felicidade vem de berço, ou de uma só concha, não se esqueça disso!
(*) DENISE SCHMITT GARCIA É PSICOPEDAGOGA, ESPECIALISTA EM EDUCAÇÃOINFANTIL E AUTORA DO LIVRO “FELICIDADE VEM DE BERÇO”. denisecasadebrinquedos@gmail.com
(**) FELICIDADE VEM DE BERÇO, DENISE SCHMITT GARCIA, EDITORA APPRIS, (41) 3156-4731 www.editoraappris.com.br mídias@editoraappris.com.br
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